São Jorge não mata o dragão. Ele te apresenta a ele.
- Juliana Coria
- 23 de abr.
- 2 min de leitura
A imagem é clássica: um cavaleiro montado num cavalo branco, espada erguida, matando um dragão.
Desde cedo, aprendemos que São Jorge é o herói que vence o mal.
Mas e se esse mal fosse só uma metáfora?
E se o dragão fosse você?
Ou melhor: partes de você que aprendeu a esconder, temer ou rejeitar. A raiva que você engole. O medo que você disfarça com ocupação. A tristeza que você varre pra debaixo do tapete da produtividade. O trauma que o corpo lembra, mesmo quando a mente jura que esqueceu. O desejo de uma vida mais leve que parece sempre adiado. A vergonha que ninguém vê, mas que mora ali, no fundo da alma. O dragão é tudo isso. E muito mais.
São Jorge não chega pra te salvar. Ele não vem de fora. Ele é a parte de você que decide não fugir mais. É o instante em que você, mesmo tremendo, monta o cavalo da alma e vai. Com a espada da consciência numa mão, e o escudo da fé na outra. Não fé no céu — mas fé em você. Fé na sua capacidade de atravessar. De olhar pro que dói. De tocar a própria verdade, mesmo que ela arda.
Na terapia, esse momento é um rito de passagem. É quando a pessoa deixa de lutar contra o que sente, e começa a escutar. Começa a fazer as pazes com a sombra, com a história, com o que foi e não foi. Começa a integrar.
Na espiritualidade, São Jorge é guardião. Mas não guarda você dos outros. Guarda você de esquecer quem é. Ele anda com quem escolhe a verdade, mesmo que ela incomode. Mesmo que ela exija despedidas, recomeços e renascimentos. Ele é a força que não te abandona quando você decide ser inteira — e não apenas aceitável.
Na alquimia, o dragão representa o caos necessário. A fase escura, confusa, densa, que precede o nascimento do ouro. O nigredo. E se você já esteve em crise alguma vez na vida, sabe: antes da luz, vem o colapso. Antes da clareza, vem o confronto. Antes da cura, vem o mergulho.
São Jorge carrega a energia de Marte — planeta da coragem, da ação, da guerra interior. Ele representa o impulso de viver, mas também o impulso de morrer praquilo que já não serve. Entre Áries e Escorpião, entre o nascimento e o renascimento, ele lembra que o movimento de crescer quase sempre exige deixar algo pra trás.
E talvez o dragão não morra. Talvez ele só mude de lugar. Talvez ele seja só uma parte sua esperando ser olhada com menos julgamento e mais amor. Porque o tesouro que você tanto busca pode estar exatamente onde você menos quer olhar.
Nesse 23 de abril, talvez o maior ato de coragem não seja lutar.
Mas escutar.
E perguntar ao dragão: o que você veio me ensinar?

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